Por Alexsandro Melo Medeiros
Não existe democracia sem diálogo. Com esta frase damos início a esta discussão que julgamos tão importante e necessária nos dias atuais. E é precisamente a partir de um diálogo entre pensadores como Jürgen Habermas e Paulo Freire que iremos colocar em discussão o modelo democrático de organização social a partir da análise das teoria destes dois eminentes pensadores. Como procedimento metodológico adota-se a pesquisa bibliográfica em torno da produção intelectual de ambos os autores, com ênfase nas obras: Teoria do Agir Comunicativo (vol. 1), Direito e Democracia (vol. 2) e Pedagogia do Oprimido, as duas primeiras de Habermas e a última de Paulo Freire.
As teorias de Habermas e Freire abarcam uma gama bastante ampla e diversificada de ideias. No que concerne a obra de ambos há conceitos que não deixam dúvidas quanto a possibilidade de convergir suas ideias: linguagem, palavra, diálogo/comunicação, intercomunicação, intersubjetividade, democracia.
Sobre a convergência entre Habermas e Freire a partir da categoria “democracia”, ambos estão de acordo quanto ao ideal maior, que é uma sociedade plenamente democrática. Essa sociedade substantivamente democrática tem como pressuposto básico e essencial o agir comunicativo/diálogo. O Estado Democrático impõe a disponibilidade para o diálogo, a argumentação, a interação entre pelo menos dois indivíduos por meio da linguagem. Eis o ponto fundante de aproximação entre as teorias de Habermas e Freire: o homem é um ser de linguagem e, como ser de linguagem, se relaciona e interage socialmente. Tanto o filósofo alemão quanto o patrono da educação brasileira concordam neste ponto: de que a linguagem é algo constitutivo do ser humano, ou seja, o homem é ontologicamente um ser de linguagem e que as relações sociais são relações intersubjetivas mediadas pela linguagem.
Em decorrência da constituição ontológica do ser humano como ser de linguagem temos o diálogo como algo igualmente constitutivo da própria natureza dos seres humanos. O diálogo possibilita aos seres humanos a reflexão em torno dos problemas da realidade política e social: somos seres comunicativos, que nos comunicamos uns com os outros enquanto nos tornamos capazes de pensar e transformar nossa realidade.
Ao propor uma mudança de paradigma da filosofia da consciência para o paradigma da linguagem, Habermas defende um modelo de racionalidade comunicativa centrado no intercâmbio intersubjetivo e linguístico que visa o entendimento. A linguagem é o ponto de partida da análise do agir comunicativo na teoria habermasiana. É o horizonte pré-estruturante que possibilita as experiências e as ações sobre o mundo a partir do qual os sujeitos podem relacionar-se entre si e sobre o mundo. E a ideia de um intercâmbio intersubjetivo entre o “eu” e o “tu”, o “eu” e o “outro”, está igualmente presente na obra de Paulo Freire, que defende o diálogo como uma exigência existencial e o homem como um ser de “palavra”. Para ambos os autores a linguagem e a comunicação ocupam um lugar privilegiado na tematização de questões fundamentais da atualidade, dentre as quais podemos situar a questão da democracia.
No contexto da ação comunicativa (Habermas) ou dialógica (Freire) é preciso ressaltar que o Ego pressupõe o encontro com o Alter: o outro Ego. O “outro” é um elemento presente necessário à constituição do agir comunicativo e dialógico: o Eu e o Tu, o Eu e o Outro, o Ego e o Alter Ego. O “outro” é a base para se conquistar a liberdade que o oprimido tanto almeja, uma vez que “ninguém liberta ninguém e ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”. A ação comunicativa dialógica não anula o “eu”, pois parte das nossas próprias experiências, mas realiza-se na comunhão com o “outro”, que também trazendo sua experiência constrói uma nova visão nessa troca de saberes. Na práxis comunicativa o “eu” e o “outro” estão em constante diálogo para transformação da realidade.
De um lado, na concepção freireana, ressalta-se a importância do diálogo no processo de conscientização que resgata a importância do sujeito de ação em relação dialética com o mundo que busca conhecer e transformar. Por outro lado, na concepção habermasiana, a comunicação linguística implica a importância do consenso intersubjetivo na coordenação da ação dos sujeitos para implementação de proposições políticas ou para a resolução discursiva dos dissensos ou controvérsias públicas na esfera pública. A linguagem (ação comunicativa/diálogo) representa um papel de destaque e assume feições de uma teoria da ação para ambos os autores onde, pela via do diálogo, pela via discursiva e argumentativa, são tematizados e problematizados o mundo da vida, o mundo dos oprimidos, a democracia e aponta-se para a possibilidade de uma sociedade substantivamente democrática e emancipada.
Em uma democracia o agir comunicativo e a dialogicidade são a base para que o “sujeito dialógico” possa alcançar uma utópica sociedade emancipada, em torno do qual só pode haver autêntica intercomunicação a partir de um relação horizontal entre sujeitos dialógicos/dialogantes. A experiência democrática tem que se fundar no diálogo.
Conclui-se, enfim, que as teorias de Habermas e Freire, à medida que se baseiam nos conceitos de ação comunicativa e dialogicidade, se impõem como proposta teórico-prática para construir uma nova racionalidade humana de base para uma sociedade substantivamente democrática, pois não existe democracia possível que não esteja fundamentada no uso público da razão e da palavra. Ao pensar no diálogo como característica fundante da democracia nada mais fazemos do que corroborar com as ideias de Paulo Freire e Jürgen Habermas que pensam o ser humano ontologicamente como um ser de linguagem.
O autor e professor de Filosofia da Ufam e administrador do site Sabedoria Política