O Tribunal de Justiça concedeu, nesta sexta feira, uma liminar para a organização da Bienal do Livro que impede impede a prefeitura de "buscar e apreender" obras na Bienal e de caçar licença de funcionamento do festival. Segundo a decisão, o município não poderá retirar os livros de circulação em "função do seu conteúdo, notadamente aquelas que tratam do homotransexualismo".
"Desta forma, concede-se a medida liminar para compelir as autoridades impetradas a se absterem de buscar e apreender obras em função do seu conteúdo, notadamente aquelas que tratam do homotransexualismo. Concede-se a liminar, igualmente, para compelir as autoridades impetradas a se absterem de cassar a licença para a Bienal, em decorrência dos fatos veiculados neste mandamus.", diz trecho da decisão.
Juristas avaliam que prefeitura não tem poder para retirar publicação da Bienal do Livro
Advogados e especialistas concordam que o prefeito Marcelo Crivella não tem poder de suspender a circulação da Bienal de uma revista em quadrinhos que retrata um beijo entre dois homens.
Nesta quinta-feira (5), Crivella determinou que a HQ " Vingadores: A cruzada das crianças " fosse recolhida da feira do livro, que acontece no Riocentro, por ter "conteúdo sexual para menores". Nesta sexta, ameaçou cancelar o evento caso a obra, que já se esgotou, não esteja lacrada.
O coronel Wolney Dias, da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop), chega à Bienal do Livro, que está sendo realizada no Riocentro, para identificar e lacrar livros considerados impróprios pelo prefeito Marcelo Crivella Foto: Gabriel Paiva / Agência O Globo
No início da tarde desta sexta-feira (6), dez funcionários da Secretaria Municipal de Ordem Pública (SEOP) chegaram à Bienal do Livro, que está sendo realizada no Riocentro, para identificar e lacrar livros considerados "impróprios". A operação, que aconteceu após o prefeito Marcelo Crivella mandar recolher HQ com beijo entre dois homens, durou até 14h e não apreeendeu nenhuma obra. Em nota divulgada após o encerramento da ação, a Bienal do livro informou que entrou "com pedido de mandado de segurança preventivo no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (...) a fim de garantir o pleno funcionamento do evento e o direito dos expositores de comercializar obras literárias sobre as mais diversas temáticas – como prevê a legislação brasileira".
Paulo Roberto, professor Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da UFF, entende que o prefeito contrariou valores constitucionais e, portanto, incindiu na lei de improbidade administrativa, categorizada pela violação dos princípios constitucionais.
— Hoje existe entendimento jurídico que famílias podem ser compostas por pessoas homoafetivas, e a Constituição é clara ao não discriminar ninguém em função de sexo — afirma Paulo Roberto, reforçando que beijo gay não categoriza "material imprório", como descrito no ECA (Estatudo da Criança e do Adolescente).
O que diz o Estatudo da Criança e do Adolescente
Nesta sexta, a Prefeitura informou em comunicado ter notificado a Bienal por meio da Seop (Secretaria Municipal de Ordem Pública), com base nos artigos 74 a 80 do ECA.
"A Prefeitura entendeu inadequado, de acordo com o ECA, que uma obra de super-heróis apresente e ilustre o tema do homossexualismo ( sic ) a adolescentes e crianças, inclusive menores de dez anos, sem que se avise antes qual seja o seu conteúdo."
O ECA, no entanto, não cita homossexualidade em nenhum ponto. Diz que "material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada" e exemplifica com "cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente".
A revista da Marvel mostra dois homens, totalmente vestidos, se beijando.
A nota da Prefeitura ameaça apreender a obra e até mesmo cancelar a Bienal caso a revista não esteja lacrada.
Silvana do Monte Moreira, Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da OAB, Suzana do Monte Moreira, reiterou que "a Prefeitura não tem o poder de busca e apreensão" e condenou o ato:
— Em 2019, a homofobia tornou-se crime, equiparável ao racismo. É um ato inicialmente arbitrário que traz homofobia e preconceito. Também é um ato velado de censura — disse Silvana.
Fonte: Extra