Por Arthur Virgílio Neto
Eu sou filho do senador Arthur Virgílio Filho, que foi líder do PTB na Câmara dos Deputados e também no Senado Federal e líder do governo João Goulart. Acompanhei, ainda muito jovem, toda agonia do regime ditatorial e aprendi uma lição: com hierarquia militar não se brinca.
O presidente João Goulart, que era amigo do meu pai e pessoa estimada por nossa família, cometeu o erro de aceitar a homenagem aos sargentos, à época, contra a vontade de seus superiores hierárquicos. Não havia necessidade de se fazer isso, existiam outras formas de homenagear os sargentos, que o queriam tão bem, sem rasgar essa coisa sagrada aos militares que é a hierarquia.
Goulart aceitou que se fizesse um grande comício em frente à Central do Brasil, ao qual estive presente com o meu pai, pelas reformas de base e que, na verdade, já era uma reação ao golpe de Estado que se armava contra ele. Aquilo soou como uma provocação ao Exército e a base militar de apoio ao presidente foi diminuindo. A ideia da quebra de hierarquia foi vital para que o presidente Goulart perdesse o apoio do general Amaury Kruel, comandante do poderoso segundo Exército, e do general Peri Bevilacqua, outro importante líder militar.
O que estou tentando comparar é essa situação do governo de Goulart com o caso Pazuello. Vejo que o presidente Bolsonaro conseguiu levar chefes militares a cometerem um grande erro, de não terem aplicado a punição que o caso exigia. Poderia punir e depois nomeá-lo no cargo que quisesse, mas aparentemente ganhou essa batalha contra os comandantes da força a que pertence o general Pazuello. Entretanto, tenho certeza que não ganhou o Exército.
General Edson Pujol, ex-comandante do Exército, que saiu porque negou ao presidente Bolsonaro o Estado de Emergência, saiu fortalecido. Não foi bom para Bolsonaro. Dessa vez, no caso Pazuello, ele conseguiu o apoio do chefe da força, mas não da maioria da força, daqueles que realmente representam o Exército Brasileiro. Um fato lamentável, dentro de qualquer conceito de democracia que ainda estamos amadurecendo.
Quaisquer fatos que envolvam hierarquia militar ou militares da ativa são delicados e devem ser tratados com muita seriedade. João Goulart não percebeu que tinha permitido que seu governo se desalinhasse dos ideais militares, com a quebra da hierarquia. Chegou ao ponto em que todo o Exército foi se unindo em torno da ideia de golpe, que era apoiado pelos governadores Carlos Lacerda, da ainda Guanabara; Adhemar de Barros, de São Paulo; e Magalhães Pinto, de Minas Gerais.
Não vejo Bolsonaro no caminho do golpe, porque não vejo o Exército nesse caminho, da mesma forma que não vejo a Marinha e nem a Aeronáutica. Vejo as Forças Armadas firmemente postas na direção da legalidade. Portanto, o ato de não punição pela grave infração cometida por um militar da ativa é uma falsa vitória. Perderia todas as minha ilusões, se não estiver completamente certo.
Num outro episódio, eu era líder da oposição do governo Lula quando houve a demarcação das terras chamadas de Raposa Serra do Sol. O general Augusto Heleno se manifestou contra a medida. Subi à tribuna e, com todo respeito e apreço que tinha à figura do general, disse que estava inteiramente fora dos eixos na sua posição, porque há proibição clara de manifestação política por parte de militar da ativa. Se quer falar que vá para reserva então.
Encho-me de orgulho ao perceber que não há mais golpe, que o Exército está firmemente engajado na defesa da democracia. Os comandantes passam, mas o Exército Brasileiro fica enraizado no seu compromisso democrático.
O autor é Diplomata, foi deputado federal, senador, líder por duas vezes do governo Fernando Henrique Cardoso, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, líder das oposições no Senado ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e três vezes prefeito da capital da Amazônia - Manaus.